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Ministério Público Federal discute política que facilita acesso a armas de fogo no Brasil

Membros do Ministério Público brasileiro e da Polícia Federal, entidades da sociedade civil e representantes dos Ministérios da Justiça e da Defesa participaram, nessa terça-feira (30), de debate virtual sobre o controle externo da atividade policial no contexto de flexibilização da compra de armas de fogo no Brasil. O evento tem como pano de fundo o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003) e a atual política do governo federal de facilitar o acesso da população a armas e munições por meio de decretos e portarias infralegais. O cenário é visto com preocupação por especialistas em segurança pública, que apontam dificuldades para realizar o controle e rastreamento dos dispositivos de forma eficiente.

Ao abrir o evento, o coordenador da Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional do Ministério Público Federal (7CCR/MPF), Francisco Rodrigues dos Santos Sobrinho, destacou a importância do debate e esclareceu o papel do órgão superior do MPF. “Buscamos o fortalecimento do controle externo da atividade policial visando a proteção das garantias fundamentais e dos direitos humanos, a legalidade e a eficiência da persecução criminal na fase policial e ao combate à corrupção e à improbidade praticada por agentes das forças de segurança pública”, pontuou.

Para a promotora de Justiça Fernanda Balbinot, que integra a Comissão do Sistema Prisional, Controle Externo da Atividade Policial e Segurança Pública do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), exercer essa atribuição com eficiência é um desafio que demanda uma análise cautelosa e multisetorial dos membros do MP. “É clara a necessidade de atuarmos em conjunto para a solução de problemas complexos como os que advém do controle externo da atividade policial”, disse.

Política de governo – Rodrigo Barros de Souza, chefe da Assessoria Especial de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, afirmou que o foco da política do atual governo não é a liberação indiscriminada de armas no país, mas o direito de defesa do cidadão e a valorização dos profissionais que atuam na área de segurança, pública ou privada. Segundo ele, o avanço do crime organizado no país, percebido pelo crescimento das facções criminosas e, mais recentemente, pelo surgimento do chamado novo cangaço, exige uma postura diferente do Estado e da população. “A nossa posição é tentar buscar um pouco da paridade das armas com esses grupos”, explicou.

O representante do MJ pontuou que a regulamentação proposta pelo governo exige que os cidadãos passem por treinamento e sejam avaliados tecnicamente e psicologicamente antes que possam fazer uso e ser proprietários de uma arma de fogo. Defendeu ainda que as medidas facilitam o controle e a fiscalização do Estado sobre as armas em circulação no país, bem como contribuem para a investigação de crimes. “É muito mais fácil rastrear e identificar a origem de armas de fogo adquiridas de forma lícita, dentro da lei, do que aquelas compradas no mercado ilegal”, declarou.

Para Daniela Ferreira Marques, representante do Ministério da Defesa, os decretos presidenciais que tratam do porte e posse de armas de fogo, regulamentam o acesso de colecionadores, atiradores e caçadores e dispõem sobre produtos controlados pelo Exército apenas materializam direitos previstos no Estatuto do Desarmamento. Segundo ela, “tendo em vista a premissa inafastável de se observar os limites da lei, mas também utilizar o espaço de discricionariedade que ela reserva, foram elaboradas medidas de desburocratização do acesso às armas, visando a eficiência e a economia de recursos públicos, sejam financeiros ou humanos”.

Órgãos de controle – A delegada Anna Flávia Michelan, chefe da Divisão Nacional de Controle de Armas de Fogo da Polícia Federal, também ressaltou que, embora dezenas de decretos e portarias relacionados ao controle de armas de fogo tenham sido editados pelo governo desde 2019, não houve qualquer alteração substancial no Estatuto do Desarmamento. As sucessivas mudanças dos regulamentos infralegais, contudo, impactou negativamente o trabalho da PF, responsável por gerir o Sistema Nacional de Armas (Sinarm).“A cada decreto publicado, precisamos adequar nossos normativos internos, atualizar o sistema de controle e capacitar nosso pessoal para atuar de acordo com a regulamentação em vigor”, explicou.

A policial relatou que a média mensal de requerimentos feitos ao Sinarm subiu de cerca de 28 mil, em abril de 2019, para quase 60 mil atualmente. A maioria dos pedidos se refere à emissão de portes de armas funcionais, concedidos a agentes públicos. No mesmo período, houve uma diminuição da quantidade de armas apreendidas. Em 2017, foram registradas 5894 apreensões de armas; em 2020 esse número caiu para 4084. Os números se referem apenas a casos registrados no Sinarm, o que não abrange a totalidade das apreensões, uma vez que a plataforma da PF ainda não está integrada com os sistemas de ocorrências das polícias civis.

Para a subprocuradora-geral da República Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, membro da Câmara Criminal do MPF, os atos que flexibilizam a posse e o porte de armas de fogo no Brasil extrapolam a competência regulatória do Poder Executivo e geram insegurança jurídica. A matéria, segundo ela, não pode ser regulamentada por meio de decretos e portarias, mas depende de lei aprovada pelo Congresso Nacional. Ela lembrou que o tema está judicializado e que boa parte dos decretos está suspensa, por decisão do Supremo Tribunal Federal.

Frischeisen também apontou alguns reflexos negativos das medidas que facilitam o armamento da população, como o desvio de armas para o mercado ilícito e o aumento da violência doméstica. Frisou ainda a fragilidade dos mecanismos de controle de armas existentes atualmente e afirmou que a rastreabilidade de munições é fundamental para desvendar crimes de extermínio praticados por policiais ou entre organizações criminosas.

Letalidade – As entidades da sociedade civil criticaram a política armamentista promovida pelo governo e alertaram para os riscos de recrudescimento da violência das forças de segurança, especialmente contra a população preta, pobre e periférica. Natália Pollachi, gerente de Projetos do Instituto Sou da Paz, afirmou que a fragmentação da regulamentação da matéria em diversos atos normativos gera confusão e falta de transparência, além de prejudicar o controle de constitucionalidade dos novos regulamentos.

Para Gabriel Sampaio, da organização não-governamental Conectas Direitos Humanos, o debate precisa considerar, para além das questões técnicas e normativas que envolvem a desregulamentação do controle de armas no Brasil, o impacto das alterações na população negra, maior vítima da violência civil e estatal. Neste cenário, “o exercício rigoroso do controle, ainda que diante desse cenário de flexibilização, é fundamental, vale vidas”, pontuou. Patrícia Oliveira, da Rede Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo do Estado, definiu a política que facilita o acesso a armas de fogo como um retrocesso.

Estratégias – Ao debater formas de aprimorar o controle externo no contexto da flexibilização da compra de armas, o promotor de Justiça Henrique Nogueira Macedo, que atua em Minas Gerais, enfatizou a necessidade de despolitizar a discussão. Segundo ele, a atuação do MP deve ser pautada por dados confiáveis e avaliações técnicas. “O debate deve ser sempre científico, baseado em estatísticas e tecnologias da informação”, disse.

Daniel Lira, promotor de Justiça no Ceará, concordou que não existe controle externo da atividade policial sem informação. Ele destacou que a insegurança jurídica gerada pelos inúmeros decretos editados desde 2019 demanda que a matéria seja tratada por meio de uma política de Estado, e não de governo. Para o procurador regional da República Marcelo de Figueiredo Freire, membro da 7CCR, o controle externo das forças de segurança no Brasil é ineficiente e tende a piorar num cenário de aumento exponencial de armas de fogo no mercado.

O debate foi transmitido ao vivo pela internet e pode ser conferido no Canal do MPF no Youtube.

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